O papel do Estado no milagre da Coreia

*escrito por Felipe Augusto

A Coreia do Sul foi um dos casos mais impressionantes de desenvolvimento econômico já vistos, tendo saído de uma guerra em seu território e de uma situação de pobreza generalizada para a alta renda em poucas décadas. Nesse contexto, o Economic Planning Board (EPB) foi o principal órgão planejador do desenvolvimento econômico do país. A criação em 1961 do EPB foi resultado da determinação do governo coreano de colocar uma alta prioridade no desenvolvimento econômico e abordá-lo por meio de planejamento e implementação sistemáticas. O EPB foi ideia de burocratas reformistas do Ministério da Reconstrução e do Ministério da Fazenda (MoF), que queriam apoio político para criar um superministério e evitar as falhas de planejamento que ocorreram durante o governo anterior (KIM, 2011). Enfrentando algumas dificuldades de impor sua agenda de desenvolvimento econômico de longo prazo, o EPB acabou sendo alçado ao status de ministério em 1963, quando o vice-primeiro-ministro passou a assumir o órgão, reforçando ainda mais sua ascendência sobre os demais (CHOI, 1987).

O EPB foi fundado como uma organização com quatro escritórios, 19 divisões e 228 funcionários (KOREA DEVELOPMENT INSTITUTE, 2014). As funções do EPB estipuladas nos regulamentos organizacionais podem ser resumidas como planejamento, orçamento, aquisição de recursos, coordenação, cooperação externa, pesquisa e estatísticas. Sua autoridade decorria da sua posição como superministério, dos vínculos com a Presidência e de instrumentos como o controle sobre o orçamento. O EPB era controlado pela Presidência por meio da Secretaria Presidencial, e o Ministério da Fazenda (MoF) e o Ministério do Comércio e Indústria (MCI), que muitas vezes tinham objetivos contraditórios, auxiliavam o EPB. O EPB tinha a vantagem de não ter como missão institucional a necessidade de interagir com atores representativos como bancos estatais e as grandes empresas (Chaebols). Isso garantia maior autonomia, que era reforçada com a contratação de servidores próprios (92% do alto-escalão era da própria carreira) (KIM, 2011).

Para melhorar a coordenação interministerial, o EPB criou e liderou a Reunião de Ministros da Economia e Vice-Presidentes de Economia. As reuniões eram realizadas ativamente cerca de 15 a 20 vezes por ano. A Reunião dos Ministros da Economia era presidida pelo Ministro da EPB e contava com a presença dos ministros das Finanças, do Comércio e Indústria, da Agricultura e da Construção, do Governador do Banco da Coreia, entre outros. Antes de um ministério econômico submeter um assunto à Reunião do Gabinete, a agenda precisava ser aprovada primeiro na Reunião de Ministros da Economia. Além disso, as leis e regulamentos relacionados à economia tinham que ser deliberados e finalizados na Reunião de Ministros da Economia. Mais informalmente, havia também a Reunião da Sala Verde, próxima à sala do vice-primeiro ministro, onde reuniões informais não gravadas aconteciam entre os ministros mais relevantes (HDI, 2014).

O EPB e o MoF representavam o centro da burocracia e estabeleciam agendas e políticas de outros ministérios, como o próprio MCI. Para esses ministérios centrais como o EPB e o MoF, Park oferecia privilégios como expansão organizacional, maior segurança empregatícia e oportunidades de promoção para inculcar um senso de missão. Ademais, EPB e MoF frequentemente conseguiam controlar a atuação de outros ministérios por meio de seus servidores, sob a aprovação de Park. Entre 1961 e 1980, o EPB enviou 61% dos seus servidores de alto-escalão para outros ministérios como vice-ministros (38% viraram ministros), além de outros servidores para dirigirem as áreas de planejamento e orçamento setoriais (KIM, 2011). Ainda, servidores do EPB, do MoF e da Secretaria Presidencial eram estimulados a circular entre esses órgãos, criando um espírito de corpo no centro da burocracia (THURBON, 2016).
Quando enfrentou resistência no EPB, contudo, como no caso da Heavy and Chemical Industry Policy (HCI, 1973-1979), principal política de desenvolvimento do período, Park criou um Comitê Especial e colocou seu Secretário Econômico como líder, aumentando a influência da Secretaria Presidencial e reduzindo a influência do EPB (THURBON, 2016).

Destaques:
• Órgão novo, superior hierarquicamente aos demais, com o vice-primeiro-ministro acumulando a função de ministro do EPB.
• Funções de planejamento e orçamento.
• Relação próxima e alinhada com a Presidência (controlado pela Secretaria Presidencial).
• Órgãos de coordenação interministerial presididos pelo EPB.
• Corpo técnico com carreira própria e especializada.
• Incentivos maiores aos burocratas do órgão.
• Insulamento diante dos interesses setoriais, que eram tratados pelos Ministérios
setoriais.
• Atuação descentralizada em outros órgãos para garantir coesão e alinhamento.

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