O papel do Estado no milagre de Israel

*escrito por Felipe Augusto

Vinculado ao Ministério do Comércio e Indústria (MOTI), o Office of the Chief Scientist (OCS), criado em 1968, foi responsável por uma série de iniciativas inovadoras de compartilhamento de risco que fornecia recursos públicos para R&D industrial. Até aquele momento, o apoio era restrito a Laboratórios Nacionais de P&D e a P&D acadêmico, além dos recursos de peso que foram dedicados à P&D relacionada à defesa e à pesquisa agrícola. O OCS administra todo o suporte de P&D patrocinado pelo governo na indústria israelense. Estima-se que, entre 1988 e 1999, até 60% de todas as empresas high-tech do país haviam sido contempladas com recursos do OCS, que desempenhou reconhecido papel na transformação de Israel em uma referência de alta tecnologia (BREZNITZ, 2007). O MOTI tinha status especial, possuindo maior autonomia dentro do governo, de forma similar ao Ministério do Comércio Internacional e da Indústria do Japão (MITI) e ao Economic Planning Board (EPB) coreano (MAGGOR, 2018). Sua ascendência nas políticas de desenvolvimento era garantida pelo forte apoio político que tinha do Ministério da Fazenda e do Gabinete do Primeiro-Ministro (centro de governo passou a considerar o desenvolvimento de uma indústria baseada em ciência como prioritária, como exposto claramente na Conferência Econômica Internacional de 1968). O OCS também tinha grande influência na definição da agenda, assessorando o Governo e o Comitê de Ciência e Tecnologia. Alías, possuía mais influência do que o Ministério da Ciência e Tecnologia (UNESCO, 2016). Além disso, o OCS tinha equipe especializada e permanente e cargos formais em outros ministérios (LEVI-FAUR, 1998).

O OCS conseguiu por muito tempo garantir autonomia significativa, a ponto de conseguir estabelecer contrapartidas relevantes como a necessidade de manter a produção industrial no país e proibir a transferência de propriedade intelectual ao exterior. Mais importante ainda, o OCS conseguiu realizar o enforcement dessas contrapartidas. A Lei de P&D de 1984 foi fundamental para consolidar essa autonomia ao permitir ao OCS retirar/cancelar/não renovar fundos públicos em caso de descumprimento das contrapartidas (MAGGOR, 2018). Essa autonomia parece ter sido resultado de um contexto geopolítico específico a partir dos anos 1970, quando a dependência do país na produção de bens primários e industriais de baixa tecnologia, mais o crescimento de países islâmicos hostis ao Estado judeu, gerou legitimidade para a implementação de outro modelo de desenvolvimento voltado a bens de alta tecnologia, especialmente na área militar. Também parece ter ajudado a criação em 1975 de uma organização chamada “Centro da Indústria de Israel para P&D”, ou Matimop, na sua sigla hebraica. Os sócios fundadores da Matimop incluíam o OCS, a Associação de Fabricantes de Israel e a Histadrut, a Federação geral de trabalhadores de Israel. Uma vez formado, o Matimop tornou-se um fórum chave para a coordenação e a cooperação público-privada. Ele não apenas representou os interesses do setor de tecnologia emergente, mas também forneceu ao OCS a influência política necessária para implementar seus programas políticos mais importantes. Quando necessário, a organização fez lobby para aumentar os gastos do governo em P&D ou se mobilizou contra tentativas de reduzi- los. Na década de 1980, a Matimop apresentou inúmeras propostas de políticas, incluindo a Lei de P&D. Na verdade, foi a liderança dessa organização que primeiro propôs a lei e depois a conduziu pelo processo legislativo (MAGGOR, 2021).
Mais recentemente, contudo, o OCS não vinha conseguindo mais fazer valer suas contrapartidas (proibição de transferência de PI foi extinta em 2005, dando lugar a uma multa), tendo dificuldade de gerar bons empregos em quantidade suficiente. Analistas afirmam que se formou uma economia dual em Israel, onde poucos engenheiros trabalham em centros de P&D, na maior parte das vezes de empresas multinacionais que compram startups israelenses, sem conseguir criar maiores ligações com a economia local. Ademais, a maior parte do capital de risco é estrangeiro (cerca de 95%) e em geral busca a realização rápida de lucros, sem viabilizar a escalabilidade das startups e a consequente disseminação de benefícios dentro do país. Em 2015, aprovou-se um novo modelo para o OCS, que virou a Israeli Innovation Authority, uma agência autônoma com mandato para olhar também para problemas sociais (BREZNITZ, 2021).

Destaques:
• Principal agência de políticas de inovação submetida a Ministério (MOTI), mas que tinha maior autonomia em relação aos demais (como o MITI no Japão e o EPB na Coreia).
• Apoio do centro de governo (PM).
• Equipe especializada e permanente, com cargos em outros ministérios.
• Autonomia do órgão garantida por lei, viabilizando a ela fazer o enforcement de
contrapartidas.
• Associação com indústria e trabalhadores deu legitimidade política à ação da OCS.

 

história do Waze:

https://medium.com/waze/a-living-history-of-the-waze-map-bec8da549659

 

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