*escrito por Ana Cristina Costa
Quando discutimos o tema desenvolvimento há normalmente um fosso entre o lado sobre a geração de riqueza, com ações voltadas para o desenvolvimento industrial ou produtivo strictu sensu, e o lado chamado de “social e ambiental”, com ações voltadas para a chamada “inclusão social”. Contudo, atualmente, com o agravamento brutal da desigualdade social, em particular, de renda, além da própria emergência climática que vivemos, é preciso que possamos refletir e elaborar sobre ações que conjuguem esses lados, considerando-se não como separados em seu tratamento, mas como ligados organicamente para que o “chamado” desenvolvimento venha a ser efetivo para uma menor desigualdade social, seja de gênero, racial, de renda com uma melhor repartição da riqueza gerada e maior participação social no processo de discussão sobre desenvolvimento. Neste contexto, o Programa Cisternas nos permite dar luz a essas reflexões e seguir com nossa missão desenvolvimento. O programa Cisternas foi desenvolvido pela ASA – Articulação do Semi Árido no início dos anos 2000 e começou a ser financiado pelo Governo Federal em 2003. Ganhou o segundo lugar no Prêmio Internacional de Política para o Futuro (Future Policy Award da World Future Council). O objetivo é promover a convivência com a seca no Semi-árido Nordestino, como o acesso a água para consumo humano e para a produção de alimentos pela agricultura familiar, a partir do uso de tecnologias de baixo custo e simples manuseio, para famílias rurais de baixa renda.
A possibilidade de convivência com a seca possibilitou a menor incidência dos seus piores efeitos – mortalidade infantil, fome, migração em massa. Conforme descrito no site da ASA – Articulação do Semiárido, “A convivência com o Semiárido pressupõe a adoção da cultura do estoque. Estoque de água para diversos usos – consumo humano, produção de alimentos e para servir aos animais. Estoque de alimento para família e para a criação animal. E o estoque de sementes para os próximos plantios, entre outros”. Com uma tecnologia simples, armazenando a água da chuva em cisternas construídas com placas de cimento ao lado de cada casa, as famílias que vivem na zona rural dos municípios do Semiárido passam a ter água potável. Outros impactos para a comunidade rural são o aumento da frequência escolar, a diminuição da incidência de doenças em virtude do consumo de água contaminada e a diminuição da sobrecarga de trabalho das mulheres nas atividades domésticas (dado que não precisam mais andar quilômetros para ter acesso à água). Além do fortalecimento e mobilização da sociedade civil para solução de seus problemas com a participação direta conjugada com o Estado e o terceiro setor.
Um dos ganhos mais relevantes é que as famílias deixam de ser dependentes de grandes açudes, muitas vezes localizados em terrenos particulares, e passam a gerir sua própria água, democratizando e descentralizando a água na região. Além da água para beber e para o uso diário, as cisternas armazenam também a possibilidade de geração de renda por meio da agricultura e pecuária familiar, garantindo o sustento dessas famílias e viabilizando a economia regional. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Fundação Banco do Brasil (FBB) e a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) celebram, já financiaram a construção de mais de 100 mil cisternas oferecidas desde 2012 para famílias do Semiárido, com recursos do BNDES e da FBB. A maioria das unidades construídas (86.860) é de cisternas de primeira água, para consumo direto pelas famílias beneficiadas, representando um investimento de R$ 199 milhões, com recursos da FBB. Das cisternas para segunda água, utilizadas para a irrigação (agricultura) e alimento de animais (pecuária), foram financiadas 13.141 unidades e 94,5% já foram construídas, representando um investimento de R$ 141 milhões, com recursos do BNDES, através de seu Fundo Social.
Pesquisa realizada pela AP1MC revelou vários benefícios para a qualidade de vida das famílias beneficiadas com as cisternas de segunda água. Segundo muitos dos entrevistados, a produção e o consumo com utilização da água das cisternas proporcionou melhoria na alimentação, tanto com relação à quantidade quanto à variedade e qualidade (devido à produção de base orgânica). Além disso, com as cisternas a busca de água fora da propriedade foi bastante reduzida, liberando tempo para atividades mais produtivas, dando às famílias a possibilidade de criar animais e produzir alimentos, gerando renda com a venda de excedentes. Ainda de acordo com a pesquisa da AP1MC, 68,1% dos beneficiários das cisternas de segunda água são mulheres; 86,2% recebem o Bolsa Família; 81,2% estão localizados em comunidades rurais; 21% possuem ensino fundamental até a 4ª série e 17% ainda são analfabetos; e a atividade principal da maioria é a produção de hortifrutigranjeiros. O uso da água das cisternas de segunda água pelas famílias, de acordo com a pesquisa, é prioritariamente para irrigar canteiros econômicos (84%); plantações (65%); criação de animais (55%); tomar banho (42%); lavar roupas (32%); cozinhar (23%); e beber água (10%).