*Escrito por Felipe Augusto
sobre a fascinante transformação de Israel em referência mundial high-tech. Nada de “cultura empreendedora ou livre-mercado. Estudos recentes mostram que, na verdade, foi resultado de um projeto político. O órgão chave para a transformação do país foi o Office of the Chief Scientist (OCS), Agência ligada ao Ministério da Indústria e Comércio que tinha como competência desenhar e implementar programas de compartilhamento de riscos por meio do financiamento público de 50% do P&D. O foco era o desenvolvimento de produtos e processos industriais inovadores com foco na exportação. entre 1988 e 1999, estima-se que até 60% de todas as empresas de alta tecnologia do país foram contempladas com aportes do OCS. Outras iniciativas do OCS incluíam a formação de consórcios de P&D entre instituições de ensino e empresas de tecnologia, e um Fundo de Venture Capital (VC) estatal que viabilizou o desenvolvimento de um setor privado de VCs por meio de investimento direto nesses últimos.
Como contrapartidas, (i) produtos desenvolvidos com recursos do OCS deveriam ser produzidos em Israel; (ii) patentes (propriedade intelectual) não poderiam ser transferidas ao exterior. Projetos bem-sucedidos deveriam pagar ao Estado entre 3% a 5% de royalties sobre a receita. O OCS criou uma unidade para monitorar o cumprimento das contrapartidas. Subsídios eram liberados aos poucos, permitindo a sua interrupção em caso de descumprimento do que havia sido planejado. A transferência de patentes ao exterior virou crime sujeito a 3 anos de cadeia. O programa do OCS também acabou atraindo Centros de P&D de multinacionais estrangeiras, que em seguida precisavam produzir em Israel. Na maior parte dos países em desenvolvimento, o processo costuma ser o inverso e tem gerado poucos frutos (da montagem/produção para P&D).
De país com apenas 14% de exportações de manufaturados, em duas décadas só os produtos high-tech já atingiam 54% das exportações. O percentual de empregados nessas indústrias é o maior da OCDE. Estudo mostrou que, de cada US$1 subsidiado, adicionou-se mais US$0,45 ao PIB. O desenho do programa fazia muito sentido, mas como Israel conseguiu fazer valer as contrapartidas exigidas sem ser capturado por interesses privados? O segredo estava na viabilização de uma coalizão política rara entre importantes atores da sociedade. Incluía banqueiros de investimento, líderes de conglomerados nacionais, representantes de sindicatos e cientistas e engenheiros empreendedores que visavam a comercializar tecnologias inovadoras desenvolvidas por institutos públicos de pesquisa e pelo Exército. Porém, a coalizão perdeu força nos anos 2000. A principal causa teria sido a ascensão dos VCs privados, os mesmos que foram desenvolvidos pelo VC estatal. Isso porque o modelo de negócios dos VCs prioriza retornos altos de curto prazo que se chocavam com os objetivos do OCS.
O retorno dos VCs costuma se dar por 2 meios: Oferta Pública Inicial (IPO), usualmente na NASDAQ, ou aquisição por multinacional estrangeira. Nesse contexto, as contrapartidas (produção nacional e proibição da transferência de patentes) passaram a sofrer muita oposição. Em 2005, a proibição foi banida, bastando pagar uma taxa. A partir daí, ficou cada vez mais difícil empresas israelenses ganharem escala produtiva e se tornarem grandes, sendo frequentemente adquiridas em estágios iniciais de desenvolvimento por multinacionais estrangeiras. Isso é um problema para a criação de empregos qualificados. Para cada emprego em empresa israelense de manufatura high-tech, mais 2 são criados. Para cada emprego em Centro de P&D de multinacional estrangeira, apenas mais 1/3 é criado. Hoje, Israel se destaca em P&D, startups per capita, empresas listadas na NASDAQ e VCs. Mas 95% do capital é estrangeiro. O lucro sai do país. De 2º mais igualitário do Ocidente, hoje é um dos mais desiguais. A pobreza relativa é a mais alta da OCDE.
Talvez a maior lição da trajetória israelense seja tentar entender quais condições viabilizaram uma coalizão favorável ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no país. Esse tipo de concertação política é raro, especialmente em países em desenvolvimento. Taylor (2016) afirma que a dificuldade política está no fato de que a inovação cria vencedores e perdedores e sua direção é difícil de prever, de modo que é esperado que os defensores do status quo resistam a ela. A resistência das elites, que nos países pobres estão ligadas estruturalmente ao atraso, somente seria superada quando as ameaças externas ao país (como guerras e dependência de importações de comida/energia) superassem as ameaças internas (como desigualdade e greves). O Israel pós-independência era caótico. Imigrantes das mais diversas origens e culturas disputavam os escassos recursos do país. Externamente, os vizinhos árabes eram ainda muito fragmentados para ameaçar o país. Ou seja, as ameaças internas eram maiores do que as externas.
Isso muda nos anos 60. Uma custosa política de acomodação forjou uma identidade nacional, reduzindo as ameaças internas. Já a sua fragilidade econômica (com dependência de bens primários) e o fortalecimento dos vizinhos durante a guerra fria alimentaram as ameaças externas. Conflitos armados viraram comuns, e o setor de defesa se tornou central para o país. Estima-se que mais da metade das startups tem como fundadores ex-integrantes das Forças Armadas. Tecnologia e inovação viraram questão de sobrevivência nacional. O declínio da coalizão “desenvolvimentista” talvez tenha decorrido do fim da guerra fria e da globalização produtiva e financeira, que aumentaram o poder do capital estrangeiro e dos VCs privados e os custos de se defender a produção nacional. Israel não foi o único a enfrentar esse desafio, que é mais grave para os países que ainda não se desenvolveram. Afinal, Israel teve, durante décadas, uma aliança desenvolvimentista que sustentou as políticas que o colocaram no clube dos ricos. Os demais que sigam lutando.
Referências: