Essa a mensagem fundamental do que se conhece como “tese Duhem-Quine” nos estudos de filosofia da ciência que buscam entender o que é a ciência. O filósofo Willard Quine mostrou a impossibilidade lógica de se separar conhecimento analítico e sintético. Na prática fica difícil do ponto de vista lógico afirmar que uma teoria deva ser rejeitada por qualquer critério empírico que seja. Sempre será possível logicamente recuperar o conteúdo não empírico de uma teoria, revendo-a e salvando-a de uma suposta refutação. O recurso a hipóteses ad hoc, neste sentido, será sempre uma dificuldade para as pretensões idealistas da epistemologia popperiana. É em meio a este problema que Thomas Kuhn, um dos maiores filósofos da ciência do século XX, apresenta seu entendimento sobre a evolução do conhecimento científico, a partir do conceito de paradigma. Paradigmas correspondem ao entendimento comum do meio científico sobre os seus objetos de estudo e práticas de pesquisa e sobre as formas e metodologias utilizadas na construção de suas teorias, a partir das quais os cientistas chegam aos seus resultados.
Segundo Kuhn, as diferentes ciências evoluem a partir da evolução dos paradigmas. Nos períodos de ciência normal, os cientistas se dedicam a desenvolver a ciência a partir dos valores do seu paradigma; já nos períodos de ruptura ou “revoluções científicas”, um determinado conjunto de valores e metodologias não são mais suficientes para explicar o objeto de estudo e um novo conjunto de valores, um novo paradigma, começa a surgir. Dessa forma, a evolução da ciência ocorre não apenas nos períodos de ciência normal, mas essencialmente nos períodos de ruptura. Tais períodos são necessários e inevitáveis quando novas idéias, estranhas ao entendimento comum dos cientistas, passam a determinar a construção das teorias. Para Kuhn, as crenças são fundamentais na construção dos paradigmas, e este talvez seja o ponto mais importante de suas idéias, pois elas determinam a forma como determinado grupo científico irá compreender e desenvolver seu objeto de estudo. Essas crenças são fundamentalmente os valores externos à ciência que fazem parte da forma de pensar dos cientistas e que serão, inevitavelmente, incorporados à ciência desenvolvida por eles.
Imre Lakatos, também na linha da crítica de Kuhn, cunhou o conceito de programa de pesquisa cientifico que consiste num conjunto de regras metodológicas que definem os caminhos de pesquisa que devem ser evitados e aqueles que devem ser trilhados por pesquisadores de uma determinada comunidade. Nesse contexto, o programa de pesquisa possui uma “heurística negativa”, a qual define um conjunto de proposições (o “núcleo” do programa) que não estão sujeitas ao critério de falseabilidade de Popper, ou seja, que são tidas como “irrefutáveis” por parte dos aderentes ao programa de pesquisa. No entorno desse núcleo de proposições são estabelecidas diversas hipóteses auxiliares, as quais devem ser testadas contra os fatos observados. Além da “heurística negativa”, existe também uma “heurística positiva”, que é constituída por um conjunto parcialmente articulado de sugestões de como mudar e desenvolver as “variantes refutáveis” do programa de pesquisa. Aqui se inclui uma cadeia de modelos cada vez mais sofisticados que buscam “explicar” a realidade. Na formulação dos programas de pesquisa, é de se esperar que algumas de suas variantes particulares (o “cinturão protetor”) sejam refutadas pelos testes empíricos. A função da “heurística positiva” é, portanto, de contornar esses problemas, definindo-se as regras que devem ser obedecidas na construção de novas variantes particulares do programa de pesquisa.
Para Popper, a ciência deveria funcionar com a lógica do modus tollens, tentando falsear teorias e não corroborá-las e é exatamente daí que surge seu método de demarcação. Uma teoria é científica se ela gerar previsões que sejam potencialmente falseáveis. E caso duas teorias tenham passado pelos mesmos testes e sobrevivido, deve-se escolher a que gera mais previsões falseáveis, pois esta é a que tem maior conteúdo empírico. Entretanto, a lógica popperiana ainda apresenta limitações próprias ao tratamento epistemológico das ciências, já que o falsificacionismo ainda é entendido como o método mais adequado para aproximar uma teoria da verdade, um modelo considerado epistemologicamente ideal para a escolha entre teorias científicas, mas que não parece se importar suficientemente com a forma pela qual as ciências são construídas de fato. O problema é que mesmo enquanto critério de escolha ideal, o método de Popper ainda parece racionalmente incompleto, visto que não é capaz de permitir uma superação definitiva dos impasses lógicos oriundos das inconsistências levantadas por Kuhn, Lakatos e Quine (a dificuldade da separacao entre o teórico e o empírico). Em Popper, a dificuldade de separar o conteúdo empírico de uma teoria de seus elementos puramente teóricos quando de um teste científico se mantem, o que dificulta o teste final visto que as teorias quando colocadas à prova, são colocadas em seu conjunto (um pacote “teorico-empirico”), não permitindo que se saiba, a priori, qual elo da cadeia foi efetivamente falseado. No final do dia o que acontece mesmo é que os programas de pesquisa científicos se degladiam para ver qual deles dá as melhores explicações para o mundo.