Em sua última apresentação do ano do relatório trimestral de inflação do BC de 2014, o diretor de politica econômica do Banco Central brasileiro, Carlos Hamilton Araújo, traçou cenários para as principais variáveis da economia brasileira em 2015 e 2016. Destacou, como tem feito ultimamente, os dois importantes realinhamentos de preços na economia brasileira ora em curso: entre preços internos e externos (taxa de câmbio) e livres e administrados (tarifas públicas). Uma das novidades da apresentação foi destacar que esses processos devem entrar em exaustão entre 2015 e 2016, no “horizonte relevante da politica monetária”. Significa isso dizer que a taxa de câmbio não se desvalorizará indefinidamente e que as tarifas públicas não subirão para sempre. Quando esses preços se acomodarem em seu novo patamar, a taxa de inflação convergirá para o centro da meta. Por isso o BC tem argumentado que primeiro a inflação deve ainda subir mais um pouco para depois retornar ao centro da meta; as altas da taxa Selic ajudarão a evitar uma contaminação geral dos preços da economia brasileira por esse processo necessário de realinhamento. Não se pode dizer ainda com certeza até onde a SELIC vai subir, pois o nível de acomodação da taxa de câmbio continua incerto, especialmente por conta dos próximos passos do Banco Central americano (os juros subirão nos EUA em 2015?). O realinhamento dos preços administrados no Brasil parece estar mais adiantado nessa corrida.
A tarefa do BC em 2015 tende a ser ajudada por outra exaustão: o final do ciclo de crédito iniciado no Brasil ainda antes de 2008 e “turbinado” com o crédito público no pós-crise. O final do boom imobiliário brasileiro e o arrefecimento do varejo e consumo em geral e do mercado de trabalho tiram pressão dos preços de serviços e facilitam o controle da inflação; a ameaça de recessão no país continua. A exaustão do ciclo de commodities na economia mundial também auxilia, trazendo uma pressão geral deflacionaria. Apesar de que o efeito de desvalorizar a moeda brasileira acaba atrapalhando um pouco nesse ponto. A exaustão do expansionismo fiscal e dos aportes do tesouro nos bancos públicos também deve contribuir para uma inflação mais bem comportada nos próximos anos. O papel da nova equipe econômica e das medidas a serem anunciadas são, obviamente, centrais aqui. O desafio de se trazer a inflação para o centro da meta em 2016 é enorme, mas o BC está correto em destacar tanto o papel do realinhamento de preços em curso (como pressão inflacionária) quanto sua provável exaustão (como pressão desinflacionária).
O ano de 2015 deverá marcar o final do longo processo de crescimento no Brasil baseado no modelo CCC (crédito, commodities e consumo) iniciado ainda em 2003, e potencializado por políticas anticíclicas no pós-crise de 2008. Daqui por diante o crédito deverá crescer a taxas modestas, provavelmente de um dígito, as commodities devem seguir em queda graças à desaceleração da China e o consumo deverá avançar de maneira bem mais comedida. A forte alavancagem das empresas e famílias brasileiras será revertida com consequente redução geral de endividamento. Os salários nominais e reais não repetirão o comportamento exuberante dos últimos anos e os preços dos imóveis tendem a se estabilizar, se é que não vão cair em alguns setores com importante excesso de oferta. O preço dos bens não comercializáveis deverá, portanto, cair em relação ao preço dos comercializáveis. O gasto público será contido e alguns impostos vão subir, sob pena do governo perder o selo do grau de investimento. Ou seja, o Brasil que vinha até então se esgotou. Será sem dúvida um ano de ajuste tanto para o setor publico quanto para o setor privado. Um ajuste que já havia começado no segundo semestre de 2014 e que deve seguir, preparando terreno para uma volta do crescimento mais consistente a partir de 2016. A boa noticia para um ano de duros ajustes é que parte de um possível otimismo com 2016 poderá já ser antecipado para o segundo semestre de 2015.