Para Hayek o crédito é pecado! E a crise a salvação!

*escrito com Gabriel Galipolo

Para Hayek, sem taxas de juros livremente determinadas pelo mercado, não pode haver estabilidade. A expansão monetária cria uma “poupança forçada”, inflando a oferta de fundos para empréstimos, o que introduz uma cunha entre poupança e investimento. Em outras palavras, a taxa de juros abaixo de seu nível “natural” faz com que a moeda gere uma poupança “artificial”, engendrando uma trajetória de investimentos inconsistente com o montante de “poupança real” (disponibilidade de fatores de produção) e com as preferências intertemporais de consumo, detonando um processo de descoordenação intertemporal. Nesta formulação, portanto, o crédito enquanto gerador de liquidez, assim como operado pelo sistema financeiro das economias capitalistas, é um fenômeno “antinatural” que distorce as proporções entre poupança, investimento e consumo. Hayek se revela, portanto, crítico de uma das principais características que definem a presente forma de produção social. A proposta do economista austríaco de que a moeda deva ter seu preço regulado pelo mercado, como qualquer outra mercadoria, e que os bancos desempenhem o papel de apenas intermediarem o empréstimo da poupança real, sem alavancagem, seria eficiente na prevenção das crises financeira, mas demandaria um sistema econômico que não o capitalismo.

Na lógica da escola austríaca, a queda do consumo no presente não significa que a demanda investimento esteja caindo, porquanto a propensão a poupar estará aumentando. A abstenção do consumo no presente, a poupança, possibilitará o aumento do consumo no futuro. Logo, o aumento da propensão a poupar hoje induzirá o mercado a esperar um aumento do consumo amanhã, o que engendraria uma antecipação preparatória com o aumento na demanda por investimentos. Segundo a escola austríaca os gastos de consumo e de investimento movem-se em sentidos contrários. Os investimentos crescem às expensas do consumo, pois para que os investimentos aumentem, o consumo deve cair, incialmente tanto em termos nominais como reais. quando o consumo cai, os fatores de produção, sempre plenamente empregados, são liberados para atender a demanda de novos bens de investimento. Para Hayek a cura mais rápida à depressão econômica se daria pelo aumento da poupança da população, de forma a proporcionar uma recuperação do investimento privado. A crise não era uma doença que necessitava de cura, mas a cura para a expansão “excessiva”. O emagrecimento do paciente era simplesmente o resultado da remoção do excesso de gordura acumulada nos anos de excessos. Richard Kahn registra que a apresentação de Hayek foi recebida em absoluto silêncio pela audiência de Cambridge. Para quebrar o gelo, Kahn indagou: “A sua visão é que se eu amanhã sair e comprar um casaco novo, isso elevará o desemprego? ”. “Sim”, respondeu Hayek, virando para um quadro negro repleto de triângulos, “mas demandaria um exercício matemático muito longo para explicar porquê”.

Quando comparados historicamente como participação percentual do PIB, obrigatoriamente a evolução das contas nacionais (consumo, investimento, governo, exportações e importações) não pode ocorrer no mesmo sentido simultaneamente. Pela restrição máxima dos 100%, a majoração da participação só pode se dar pela redução dos demais como contrapartida. Hayek teorizou sobre uma economia hipotética e simplista, bem longe do que são hoje as pujantes economias capitalistas. A análise das taxas crescimento ou valores absolutos do consumo das famílias e da Formação Bruta de Capital Fixo (investimento), costumam revelar relações diretas entre essas variáveis. Parecem haver indícios lógicos e empíricos (cotidianos) de que os agentes econômicos estão mais propensos a ampliar a capacidade produtiva de suas empresas (investir) quando o consumo está subindo (e não caindo) no presente. Na integração dinâmica das variáveis, o aumento do poder aquisitivo e da propensão a consumir tende a aumentar o investimento, pois a aquisição de meios de produção depende de que o mercado continue ter uma expectativa de que seus produtos encontrem demanda.

Esse conceito não nega, pelo contrário, se apoia no conhecimento de que a decisão de investimento se dará acerca das especulações sobre a conjuntura futura. No entanto, é a própria decisão de investir que determinará a demanda por meios de produção, magnitude do produto, e os níveis de renda e emprego da sociedade. Essa visão se contrapõe à suposição de que “a queda no consumo hoje sinaliza sua elevação amanhã” seja capaz de induzir os empresários a investirem. No Brasil de hoje, o que se observa é a redução no investimento e no consumo hoje deprimindo as expectativas, espiral característica das depressões econômicas. Na crise, a política econômica que atua em prol da poupança, pela redução do crédito e do consumo, é pró-cíclica, no sentido de acentuar ainda mais as vicissitudes do sistema.

Schumpeter, ao contrario de Hayek, distinguia no crédito o recurso revolucionário de que podia dispor o empresário inovador sem prévia acumulação de riqueza. Keynes comungava da mesma opinião, concedendo relevo ao papel dos bancos, como agentes criadores de crédito. No regime de moeda denominada pelo Estado com crédito criado pelo sistema bancário, a estabilidade da economia não pode ser garantida, como imaginam os partidários da desregulamentação máxima, pelos critérios privados. O moderno sistema de crédito – aí incluído o Banco Central – opera como o espaço em que se explicita a natureza ambígua do dinheiro na economia capitalista: bem público, ou seja, forma social da riqueza e objeto do enriquecimento privado. Os bancos definem as normas de acesso à liquidez, ao crédito e administram o sistema de pagamentos. Tais normas impõem constrangimentos às condições de produção e de concorrência das empresas. Gestores público-privados da forma geral da riqueza, os bancos cuidam de administrar o estado da liquidez e do crédito de acordo com a maior ou menor confiança na possibilidade das empresas e dos governos de controlarem seus balanços.

A propriedade, agora socializada pelo controle do capital líquido, (pelos bancos e pela massa de poupadores), reclama a presença de um ente público capaz de garantir, em última instância, as condições monetárias adequadas à reprodução do capital. O Banco Central assume a função de coordenador das expectativas privadas que governam as decisões sobre a posse da riqueza. O sistema bancário deve assumir as funções e administrar simultaneamente os dois riscos inerentes à economia monetária, o de liquidez e o de pagamento. O sistema bancário, incluído o Banco Central, deve respeitar as regras “convencionadas” que o obrigam a funcionar como redutor de riscos e de incerteza e como gestor dos limites impostos aos produtores e detentores privados de riqueza, enquanto candidatos a acumular riqueza universal. Por isso, num regime de moeda fiduciária a prerrogativa de criação de crédito pelos bancos privados está subordinada às regras de capitalização impostas pelas autoridades reguladoras. Essa é a mediação esperada das autoridades monetárias, não permitir níveis de alavancagem temerários à estabilidade do sistema financeiro, mas inibir a elevação da preferência da liquidez em patamares que inviabilizem o pleno emprego. A poupança desempenha o fundamental papel estabilizador de fechar o circuito e conferir lastro à alavancagem, mas a decisão de investir é a decisão crucial, que será tomada em função da expectativa de demanda.

1 thought on “Para Hayek o crédito é pecado! E a crise a salvação!”

  1. Excelente discussão. Acompanho o blog há cerca de um ano, mas é a primeira vez que comento. Ao ler o texto fiquei aqui me questionando sobre como essa gestão de riscos fiduciários poderia ou deveria pensar a questão do spread bancário. O que os autores acham?

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