Num importante trabalho sobre o papel das exportações no processo de desenvolvimento da China, Rodrik (2006) traz interessantes contribuições para se entender o milagre chinês. Segundo a analise de Rodrik, as políticas governamentais chinesas ajudaram sobremaneira a fomentar as capacidades produtivas locais em eletrônicos de consumo, autopeças e outras áreas voltadas a produção para vender no mercado mundial. Como resultado dessas politicas publicas, a China acabou construindo uma pauta de exportação significativamente mais sofisticada do que o que seria normalmente esperado para um país em seu nível de renda per capita nos últimos 10 anos. A abertura comercial foi feita de forma gradual em conjunto com um complexo sistema de tarifas, barreiras não-tarifárias e licenças. Os investidores estrangeiros também desempenharam um papel fundamental na evolução da indústria como fonte de tecnologia. O governo atraiu investimento estrangeiro com sua disponibilidade para criar zonas econômicas especiais de exportação, onde os produtores estrangeiros poderiam operar com boa infra-estrutura e sem regulação excessiva.
A atracão feita pela China de empresas estrangeiras teve sempre o objetivo de fomentar as capacidades internas e locais de produção. Para isso a China sempre usou uma série de políticas para assegurar que a transferência de tecnologia teria lugar e que uma indústria local forte e competitiva fosse criada. O governo chines usou um sistema de estímulos e controles para tentar promover eficiencia e competitividade. Os investidores estrangeiros foram obrigados a entrar em joint ventures com empresas nacionais (em telefones celulares e em computadores, por exemplo) para ter acesso aos mercados nacionais. Houve fraca aplicação das leis de proteção intelectual habilitando produtores domésticos a praticar engenharia reversa e imitar tecnologias estrangeiras sem punicoes relevantes. Os governos regionais tiveram autonomia e investiram na criacao de clusters industriais em áreas específicas do país.
Claro que muitas empresas locais fracassaram e nem tudo deu certo, mas no geral essas estrategias parecem ter sido acertadas na medida em que varias empresas chinesas amadureceram e foram capazaes de competir no mercado mundial e internamente com concorrentes estrangeiros. O resultado dessas estratégias pode ser visto, por exemplo, na indústria chinesa de eletrônicos que conta hoje com uma estrutura diferente do que se vê no México, por exemplo. As empresas nacionais desempenham hoje um papel significativo na China, além do numero elevado de joint ventures entre empresas estrangeiras e nacionais. A interação das empresas internacionais com empresas nacionais criou uma genuína história de sucesso global na China segundo a analise de Rodrik. Embora o foco de seu trabalho tenha sido o setor da electrónica de consumo, o mesmo poderia ser dito de outros casos de sucesso.
A indústria de autopeças, por exemplo, foi fortemente promovida através de requisitos de conteúdo local. O governo chinês exigia que as montadoras estrangeiras investissem no mercado domestico para alcançar um nível relativamente elevado de conteúdo nacional dentro de um curto período de tempo (normalmente 70% no prazo de três anos). Isto obrigou as empresas multinacionais a cooperar estreitamente com os fornecedores locais no desenvolvimento e utilizacao de novas tecnologias. Na cadeia de abastecimento de automóveis na China os proprios fabricantes estrangeiros continuaram a comprar dos forenecedores locais depois que a obrigatorieade de conteudo local foi abolida em conformidade com as regras da OMC; numa prova de que o sistema foi capaz de criar produtores domesticos eficientes. As fontes locais de abastecimento se mostraram superiores em termos de combinação de custo e qualidade quando comparadas as alternativas importadas.
A China representa um belo exemplo da estratégia de construção de complexidade perseguida pelos asiáticos. Com politicas pro crescimento e de estimulo a indústria local os chineses conseguiram atingir notável evolução industrial e manufatureira nos últimos 30 anos. O modelo chinês de crescimento replicou a estratégia de sucesso do Japão do pós-guerra, da Coréia do Sul e Taiwan dos anos 70 e 80 e de Malásia, Indonésia e Tailândia nos 90. Câmbio competitivo e exportações de manufaturas para a economia mundial. Transferência de trabalhadores do campo para o setor industrial com ampla ajuda e interferência do governo. Uma industrialização “forçada”, por assim dizer, com manipulação de preços, proibições e distorções que direcionavam a indústria para produzir para o mercado mundial. A China acertou! Muitos países erraram muito!
turbinas eólicas:
turbinas termoelétricas:
barcos:
equipamentos para construção civil:
resumo:
Como funciona a Asia? Os milagres de Japão, Coreia e Taiwan
What’s So Special about China’s Exports? (Rodrik 2006), a evolução da complexidade chinesa (Felipe J. 2010)
otimo artigo sobre o tema:
https://www.valor.com.br/opiniao/5062102/um-conto-chines

relatorio do congresso americano Red Ink:
Lembrar que a China é uma ditadura com desigualdade social inaceitável em uma democracia, portanto, penso que falar que a política industrial na China é sucesso, significa ignorar aspectos políticos e sociais cruciais para qualificar qualquer sociedade do presente.
Japao do pós-guerra seguiu um modelo semelhante, com ajuda dos EUA, claro. O próprio Brasil, desde Getúlio Vargas até o governo Geisel adotou uma política de industrialização forçada calcada no tripé capital estrangeiro/capital nacional/capital estatal. Os chamados Tigres Asiáticos, idem. Todos esses exemplos retratam processos de industrialização tardia comandados em menor ou maior medida pelo Estado. Obviamente que há muitas falhas, descaminhos, fricções e diversos outros desequilíbrios em todos eles. O fato é que todos esses países alcançaram um nível de renda que, de outra sorte, isto é, se deixados ao livre jogo das forças de mercado, jamais teriam alcançado.
E aqui no Brasil não tem desigualdade social?…. se a China não é exemplo de sucesso econômico com o Beidu(GPS chinês), com a tecnologia 5G e o celular Shiaomi que é o mais avançado do mundo, o que seria exemplo de sucesso?.. Brasil?… México?.. América Latina?…. rsrs
Excelente artigo. Mostra que o “trabalho complexo” foi, é e será a medida do desenvolvimento, principalmente casado com o “trabalho simples” (no caso da China, também abastecimento interno e para as exportações) que, descolado daquele levaria à primarização. Somada a esta estratégia produtiva, o Pais chinês ainda adota, com igual excelência duas moedas; uma para dentro e outra para fora.
Definir a China como uma ditadura de extrema esquerda ou desqualificá-la para ser um exemplo de economia por sua posição política é uma falta de reflexão sobre o processo histórico e evolutivo que rodeia o Capitalismo moderno. A economia mundial possui tanto dinamismo que não dá para suportar argumentos conservadores sobre sua conjuntura e desenvolvimento. O aspecto relevante aqui é a adaptação do Comunismo ao Capitalismo ou vice versa. Na China, houve uma releitura do comunismo após a morte de Mao Tsé Tung. Já escrevi em outros posts relativos a China que deveriam usar o termo Neocomunismo, assim como fazem com Neoliberalismo, para mostrar a mudança demonstrada naquela República popular. O fato é que hoje presenciamos uma mudança muito sensível nos tipos de políticas adotadas pelos seus maiores representantes: os EUA caminhando para uma ditadura democrática, alimentada por atores de extrema direita com ideias mirabolantes sobre segregação e muro para isolar o país, frente a uma nação parcialmente aberta e progressista, implantando projetos ambiciosos como a rota da seda ou a conquista espacial, representado pela China moderna.
Estado rico, povo pobre, renda per capta baixissima, e poluição do ar e das aguas, isso não é bom
As consequências estão visíveis pelo mundo.O Brasil também tentou estabelecer uma base de componente local na Zona Franca e no Geral, mas não obteve sucesso. Faltou o essencial uma séria politica industrial e educacional.
Exato!
Como bem diz “Uma industrialização “forçada”, por assim dizer” (i.e. nessas experiencias, os governos tiveram amplos poderes de barganha!)