Produzir aço na Coréia do Sul, uma ideia “estapafúrdia” que deu certo!

*Escrito com Felipe Augusto Machado

Nos anos 60 o Banco Mundial sugeriu a Coréia do Sul se especializar na produção de arroz, sua vantagem comparativa! A Coréia não quis, resolveu desenvolver sua indústria e recebeu muitas críticas, deu no que deu. O advento da indústria siderúrgica na Coreia é uma história de convicção do General Park Chung Hee, que governou o país entre 1961 e 1979 e que via a autonomia na produção do aço como o melhor caminho para ao desenvolvimento nacional. “Aço é poder nacional”, afirmou, quando da celebração do décimo aniversário da siderúrgica estatal POSCO.

Dependente militarmente dos EUA e ameaçada pelo regime comunista ao norte, a Junta militar comandada por Park colocou o desenvolvimento de uma indústria de defesa como prioridade nacional. Nesse contexto, devido aos encadeamos produtivos, a produção de aço era central, já que, sem uma fonte estável de aço de qualidade, a Coreia do Sul não poderia diversificar para outras indústrias essenciais. Além disso, pesava sua experiência pessoal, nutrindo um sentimento ambíguo em relação ao Japão, ao qual serviu como militar na época que a Coreia era colônia daquele país. Por um lado, viveu na pele o preconceito e a exploração dos japoneses sobre os coreanos e ascendeu o alerta para necessidade de segurança nacional. Por outro, aprendeu a admirar a modernização empreendida pelo Estado japonês desde a revolução Meiji. Em menos de meio século, um Japão feudal passou a competir com a Grandes Potências pela hegemonia global na Segunda Guerra.

Por fim, havia a necessidade de legitimar o seu Governo internamente por meio de crescimento econômico, já que Park ascendeu ao Poder por meio de golpe de Estado. A questão, portanto, não era “se” mas “como” deveria viabilizar a construção de uma planta integrada de aço no país. Desprovida de capital, tecnologia e mercado, a Coreia do Sul sofreu para adquirir as condições necessárias para o empreendimento. Em 1968, o Banco Mundial recusou o pedido de empréstimo da POSCO alegando que o país não tinha vantagem comparativa para a produção de aço. Seu aliado militar, os EUA, frequentemente recusava apoio a projetos de desenvolvimento econômico do país, considerando-os demasiadamente estatistas e até mesmo irresponsáveis. Foram 7 anos de intensa política externa para conseguir apoio ao projeto. No final, após convencer líderes industriais japoneses a fazerem lobby pela POSCO junto ao Governo em Tóquio, foram as reparações de Guerra e a tecnologia japonesas que viabilizaram a construção da planta.

Ao contrário de outros setores importantes para o Estado coreano, Park não conseguiu convencer os grandes conglomerados (Chaebols) a construírem a planta, tendo que confiar o empreendimento a uma estatal. Também em oposição aos outros setores, nos quais o Estado coreano incentivou uma estrutura de competição oligopolista, a POSCO recebeu direito de monopólio sobre a produção de aço. O risco de captura política acabaria sendo mitigado pelo status estratégico que Park concedeu ao projeto. Por fim, os recursos das reparações de Guerra eram limitados, de forma que a POSCO não poderia contar com eles por muito tempo. Para assegurar a sobrevivência, a empresa teve que embarcar em uma agressiva estratégia baseada em exportações para se tornar competitiva.

Em 1987, menos de 20 anos após recusar o empréstimo à POSCO, o Banco Mundial acabaria reconhecendo a empresa como a mais eficiente produtora de aço do mundo. Setores a jusante como o automobilístico, o naval, o eletrônico, o de construção civil e o de eletrodomésticos passaram a ter uma fonte estável e competitiva de aço para se desenvolver e alavancar a renda do país

RHYU, Sang-young; LEW, Seok-jin. Pohang Iron and Steel Company. In: KIM, B; VOGEL, E (ed.). The Park Chung Hee Era: the transformation of South Korea. Harvard, Massachusetts, 2011.

6 thoughts on “Produzir aço na Coréia do Sul, uma ideia “estapafúrdia” que deu certo!”

  1. Artigo de primeira qualidade. De forma sucinta, com muita clareza e expositiva e apreciável conhecimento histórico-técnico dos fatos, o eminente Professor Paula Gala nos deixa satisfatoriamente informados. Parabéns. Nilo de Matos.

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