*escrito por Felipe Augusto
Eleições evidenciam enorme problema para o futuro do desenvolvimento brasileiro. História sugere que, com esse nível de desunião nacional, dificilmente atingiremos alto nível de inovação científica e tecnológica, principal indicador de desenvolvimento de longo prazo. Isso porque, como inovação gera vencedores e perdedores e é difícil prever seus impactos, elites tendem a resistir a ela. Para Acemoglu e Robinson, do best-seller “Por que as nações fracassam”, inovação frequentemente corrói as vantagens da elite, levando à sua substituição. Uma das situações em que a elite agiria a favor da inovação seria diante de ameaças externas. Nesse caso, o medo de perder o poder (e morrer) devido a um conflito com país estrangeiro estimularia a superação das rivalidades domésticas e a cooperação nacional para a inovação.
Acemoglu e Robinson citam o clássico caso do Japão. A esmagadora vitória britânica contra os chineses na Guerra do Ópio de 1842, a chegada americana à Baía de Tóquio em 1853 e a imposição do livre-comércio por potências ocidentais geraram um senso de urgência nos japoneses. O resultado foi a Revolução Meiji e a união das elites, que fortaleceram o Estado para executar políticas que industrializassem o país, aumentando sua capacidade científica e tecnológica. Anos depois, foi o primeiro país asiático a rivalizar com europeus na história moderna.
Aliás, Hoffman, seguindo Tilly, argumenta que a ascensão europeia decorreu muito do estado de guerra permanente no continente. Elites dos países foram forçadas a cooperar e a aumentar a capacidade estatal para financiar inovações tecnológicas que as levassem à vitória. Mais recentemente, Mark Taylor tentou formalizar essa ideia. Segundo suas estimativas, quanto mais fortes forem as ameaças externas em relação às rivalidades domésticas, maior a probabilidade de que a elite apoie e implemente políticas de ciência, tecnologia e inovação. Entre os exemplos citados está o de Israel. O Israel pós-independência era caótico. Imigrantes das mais diversas origens e culturas disputavam os escassos recursos do país. Externamente, os vizinhos árabes eram ainda muito fragmentados para ameaçar o país. Nos anos 60, uma custosa política redistributiva forjou uma identidade nacional, amenizando as rivalidades domésticas. Já sua fragilidade econômica (como a dependência de bens primários) e o fortalecimento dos vizinhos durante a guerra fria alimentaram as ameaças externas. Esse novo cenário impulsionou um “consenso desenvolvimentista” no país. O órgão Office of the Chief Scientist chegou a financiar até 60% de todas as empresas high-tech do país, e tinha autonomia e poder para cobrar contrapartidas. Em particular, o setor de defesa se fortaleceu, transbordando inovação para outros setores. Até hoje, as Forças Armadas são o principal formador de fundadores de startups, incluindo o do Waze, e o país é conhecido como a “Nação Startup”.
Em Taiwan, a rivalidade doméstica era entre os continentais (nacionalistas que fugiram da China continental após perderem a guerra civil para Mao) e os nativos da ilha, que eram vistos como “japanizados”, uma vez que ficaram sob domínio colonial japonês entre 1895 e 1945. A tensão era grande, pois os continentais não possuíam ativos na ilha, mas controlavam o poder político com a mão de ferro de Chiang Kai-shek. Seguiram-se políticas redistributivas, como uma reforma agrária radical apoiada pelos EUA, que nivelou a distribuição de riqueza. 64, a China de Mao testou sua primeira bomba nuclear. A ajuda financeira americana foi cessada em 1965. Nixon visitou a China em 1971, isolando ainda mais a ilha. Em 1973, explodiu a crise do petróleo, do qual Taiwan é muito dependente. A inovação passou de ameaça a solução. Em 1973 foi criado o Industrial Technology Research Institution (ITRI), que gerou empresas como a TSMC, a UMC e a MediaTek e fez de Taiwan o país mais importante na produção de chips, onipresentes nos bens da sociedade moderna. Até os anos 60, Taiwan ainda era considerado um “deserto científico”. Hoje, suas empresas viraram pivô da disputa geopolítica entre China e EUA, e seus técnicos e cientistas são os mais cobiçados por países que querem chegar na fronteira tecnológica. Um exemplo bem atual? Os EUA. Um país muito dividido, onde intervenção estatal na economia costuma ser vista com ceticismo (apesar do longo histórico em áreas como a de defesa), mas que gerou apoio bipartidário para políticas de inovação sem precedentes para conter a China.
Usando dados até 2015, Taylor traçou futuro pessimista para a inovação no Brasil. País seria um desapontamento em potencial: “países com altos níveis de desigualdade, agitação política e conflitos civis, tendo relativa segurança em suas fronteiras e importações estratégicas”. Como se comportaram esses indicadores no Brasil desde então? Mesmo em queda, o desemprego segue sendo um dos mais altos do mundo. Já a taxa de autônomos é recorde e continua crescendo. Enquanto a precarização avança, os salários mínimo e médio estão na melhor das hipóteses estagnados. As desigualdades parecem estar se tornando mais profundas. A agitação e a polarização política estão em níveis alarmantes. Externamente, o país não tem histórico recente de conflitos. Também é grande produtor mundial de comida e energia, e isso sequer tem sido usado para amenizar as rivalidades domésticas. Assim, nenhum dos critérios citados acima sugere que haverá, no curto prazo, apoio político consistente da elite a políticas de ciência, tecnologia e inovação transformadoras. Rivalidades domésticas superam em muito as ameaças externas no Brasil. O país precisa urgentemente realizar um grande esforço pela superação das rivalidades domésticas. Evidências sugerem que, sem isso, as perspectivas de desenvolvimento econômico continuarão se reduzindo dramaticamente.