*Escrito por Felipe Augusto

Indústria continua sendo carro-chefe do desenvolvimento. Serviços como software/computação merecem atenção, mas “características industriais” não fazem deles um caminho mais fácil para o desenvolvimento de um país. Gastos em P&D do setor de serviços aumentou de 8,2% para 37,2% entre 1987 e 2018 (aumento de 29 p.p) nos EUA. A Manufatura diminuiu peso na P&D total de 91,5% para 62,1% (queda de 29,3 p.p). Gráfico em forma de “alicate” da fronteira tecnológica de Paulo Morceiro acima mostra isso. O gráfico mostra a ascendência do “modelo do Vale do Silício” nos EUA. De forma bem simplificada, trata-se de uma estratégia liderada por startups de tecnologia da informação (TI), basicamente de softwares/serviços de computação. De uma perspectiva mais ampla, esse modelo refletia uma visão predominante de que os EUA não deveriam mais se preocupar em produzir bens, dada sua baixa lucratividade. Seria melhor se concentrar nas etapas de maior valor agregado, terceirizando a produção a países de baixo custo. (Sorriso da indústria abaixo).

Porém, esse modelo está sendo contestado no país. Já em 2010, o lendário Andy Grove, ex-CEO da Intel, considerado o “homem que liderou o crescimento do Vale do Silício”, alertava que o modelo não poderia entregar tudo o que dele se esperava.
Isso porque, na sua visão, somente a etapa de produção em massa geraria bons empregos em grande quantidade. Ademais, a perda de contato com a etapa de fabricação dificultaria a inovação e a evolução tecnológica, pois inviabilizaria a possibilidade de “aprender fazendo”. A perda dos empregos industriais e a consequente crise da classe média americana ficaram bastante aparentes com a eleição de Trump, mas o consenso pró-indústria se tornou bipartidário. A revitalização da indústria é um pilar do Plano Biden.
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Isso não significa que determinados serviços como softwares/computação não mereçam atenção. É um segmento que tem características típicas da manufatura, como retornos crescentes de escala e altas barreiras à entrada. Como possui características típicas da manufatura, seu desenvolvimento em países da periferia também é desafiador. Entre as 288 empresas mais inovadoras do segmento, os EUA representam sozinhos mais de 72% dos gastos com P&D. Fora a China, a melhor emergente é a Índia, com 0,2%. A China não poupou esforços para desenvolver suas concorrentes às Big Techs americanas. Várias restrições foram impostas às estrangeiras, garantindo reserva do imenso mercado chinês às suas empresas. EUA contra-atacou recentemente.
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Mas a forma como Big Techs contribuem para o desenvolvimento ainda é incerta. Hoje, sua natureza estratégica decorre mais da segurança nacional, via controle de dados. Concentração de poder econômico tem gerado reações. Poucas se mostraram viáveis economicamente. Mesmo assim, hoje é impossível pensar em estratégias de desenvolvimento sem olhar para esse segmento. Potências industriais como e estão preocupadas com seu relativo atraso. Aplicações potenciais em áreas como inteligência artificial podem destruir seu domínio industrial. De qualquer forma, esses serviços dificilmente serão o carro-chefe do desenvolvimento. A Índia, mesmo com vantagens comparativas como língua inglesa, fuso horário complementar ao dos EUA e mão de obra qualificada, viu limites ao modelo e voltou sua atenção novamente à indústria.
Países do leste europeu nem conseguem reverter o declínio populacional. Irlanda com menos de 5 milhões de pessoas, tem “vantagens indianas” e é porta de entrada à Europa, mas sua política de atração de multinacionais é criticada. Israel deve muito ao complexo industrial-militar. A questão é que, em geral, serviços sofisticados (que pagam melhores salários e exigem mão de obra mais qualificada) dependem muito da indústria. Mesmo em “sociedades de serviços sofisticados” como Singapura, a indústria gera muito mais empregos em serviços do que o contrário. Além disso, como mostrou Morceiro, a imensa maioria do P&D mundial continua ocorrendo na indústria ou é muito dependente dela. E, se excluirmos os softwares/serviços de computação, que em determinados casos são mais “autônomos”, sobra muito pouco para os demais serviços (~5%). Compartilho da preocupação do Morceiro. A concorrência asiática deixa a via industrial ainda mais inglória. Mas não há caminho fácil. Mesmo se serviços como software/computação revolucionarem o desenvolvimento, suas “características industriais” não o tornarão menos difícil.