
*escrito com Luis Felipe Giesteira
A ilustração acima permite visualizar as conexões tecnológicas de um único produto do vasto sistema de geração de progresso técnico e de prestígio e influência internacional que é o chamado complexo industrial de defesa e aeroespacial. O produto “partes e acessórios de armas de fogo”, código internacional de classificação HS 92 930529, com um PCI de 0,786, é um produto de elevada complexidade econômica – apesar de à primeira vista parecer apenas um cesto de peças metálicas não muito distintas tecnologicamente de uma faca de cozinha ou de um parafuso de aço. Uma rápida – e divertida – pesquisa sobre esse e outros produtos típicos desse grupo de setores – 27, no nível máximo de desagregação possível – no “Observatório da Complexidade Econômica” (https://oec.world/en/) revela um mundo variado e não raro bastante surpreendente de ligações. As “peças de armas” estão estatisticamente conectadas – com base em um painel imenso de dados de comércio internacional abrangendo milhares de produtos de centenas de países ao longo de 50 anos – a diversos setores industriais dada a alta frequência com que são exportadas conjuntamente. De forma geral, essas co-exportações resultam do compartilhamento de uma base de conhecimento, de capacidades tecnológicas em comum, constituindo-se em um poderoso guia para realizar políticas industrial e de CT&I de potencial alto impacto.
Em grande breakthrough empírico e analítico, a perspectiva das redes complexas é capaz de calcular essas “distâncias tecnológicas de trás para frente”. Ao calcular as probabilidades de co-exportações de produtos em diversos países essa metodologia mede as distâncias tecnológicas num espaço produtivo mundial. Dois produtos são “próximos” se vários países exportam esse par. Por exemplo, vinhos e uvas. Muitos países exportam só uvas, muitos outros exportam só vinhos, mas uma quantidade significativa de países exportam ambos, donde se conclui que vinhos e uvas são próximos. Claro que nesse exemplo a conexão é intuitiva, mas em casos mais complicados a metodologia ajuda muito a entender quais produtos estão próximos. Se muitos países exportam dois produtos simultaneamente existe grande indicação de economias de escopo e proximidade tecnológica. Assim, a importância da “proximidade” está na medida indireta que esta carrega sobre as capacidades locais de produção envolvidas em diversos bens. Com essas proximidades pode-se construir redes de conexões entre produtos. Os muito próximos formam clusters ou “comunidades” nos termos do atlas da complexidade. Essas comunidades são depois rankeadas em termos de complexidade de seus produtos. Em geral os produtos de alta conexão são complexos e os produtos de baixa conexão não são complexos, segundo as medidas do próprio atlas.
O Brasil é um país especialmente profícuo para esse tipo de ação por que é dotado de uma matriz produtiva ampla e diversificada, na qual pouquíssimos produtos não são exportados (apenas 35 de uma lista de 1232 produtos possíveis). O complexo de defesa e aeroespacial é particularmente vocacionado para esse tipo de políticas, pois o Brasil é um “player” notável em diversos segmentos (está entre os top 5 exportadores em 6 deles), e também é um produtor relevante nos setores que geram produtos co-exportados (por exemplo, motores a combustão e produtos de beleza). Ademais, possui uma rede competente e ampla de ICTs – muitas delas militares – em torno desse conjunto setorial capaz de focar em tecnologias duais ou “de propósito genérico”. Estudo recente do IPEA evidenciou, que essas ICTs são efetivas em cooperar com empresas (61% de seus projetos são desenvolvidos em cooperação com empresas), constituindo um verdadeiro sistema setorial de inovação. É como se cada ação para esses segmentos tivesse o potencial para, ao mesmo tempo, fomentar setores civis e militares de alto dinamismo, criar tecnologias de uso dual, aumentar a inovação e exportar bens de alto valor agregado. O quadro a seguir resume as informações – todas disponíveis em acesso livre ao observatório – sobre esses 27 conjuntos de produtos.


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