Brasil a reboque do mundo: nosso transporte rodoviário de cargas depende de multinacionais

*escrito com Fausto Oliveira

A 22ª edição do Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Cargas (Fenatran) em foi uma prova inconteste da distância tecnológica do Brasil em relação ao mundo desenvolvido. O setor automotivo é uma das maiores e mais sofisticadas indústrias do mundo. Não há país realmente pais desenvolvido sem ter participação consistente na produção de veículos e seus componentes (dentre os mais nobres: motores, transmissão e diferenciais; entre os menos nobres, as chamadas “autopeças”, como tanques, escapamento, discos de freio etc). A Fenatran mostrou com toda nitidez que o Brasil participa de maneira secundária desta indústria. Veja a lista de empresas produtoras de caminhões que expuseram na Fenatran 2019: Volkswagen (Alemanha), Mercedes-Benz (Alemanha), Scania (Suécia), Volvo (Suécia), Iveco (Itália), DAF (Holanda/EUA), Peugeot (França), JAC (China)

Poucas empresas são concentradoras de uma enorme fatia de um enorme mercado global que movimenta centenas de bilhões anualmente. Representando o Brasil, contudo, havia muitas empresas menores. Centenas de empresas nacionais fabricantes dos chamados “implementos rodoviários” se fizeram presentes à Fenatran. O que são os implementos? Caçambas, carretas, coletores de lixo, reboques. Em todos eles, a junção de tecnologias é reduzida. Portanto, o valor adicionado é menor, refletindo-se em menores divisas tanto para a empresa quanto para a economia nacional (quando se faz uma exportação).

Infelizmente, a realidade de muitos setores metal-mecânicos na indústria nacional bate no limite onde estão os implementos rodoviários. Uma junção de metalurgia, hidráulica e elétrica, a fim de fazer as chapas de aço se movimentarem sob o comando de uma instrumentação mais sofisticada. Como regra, esta instrumentação sofisticada não é produzida PELO país (embora as transnacionais aqui presentes as produzam NO país). O problema é grave pois sem uma base industrial metal-mecânica sofisticada é mais difícil manter (para não dizer aumentar) a base industrial nos demais setores. Se a oferta de máquinas e equipamentos no Brasil for inteiramente dominada por multinacionais, isso significará que toda a nossa infraestrutura e parque industrial serão ainda mais dependentes de bens de capital importados ou apenas maquilados aqui. Ou seja, nosso crescimento se tornaria um fator de aprofundamento do déficit financeiro e tecnológico. O retrato do que se viu na Fenatran vai exatamente neste caminho. Brasil produzindo reboques pouco sofisticados para os caminhões europeus e norte-americanos altamente sofisticados.

Já foi diferente

Nem sempre foi assim. A Fábrica Nacional de Motores (a popular Fenemê), criada em 1939 para produzir motores aeronáuticos, foi depois convertida em uma produtora de caminhões e automóveis. Mas graças ao presidente Eurico Gaspar Dutra, que sucedeu Getúlio Vargas, a Fenemê foi desmobilizada e em seguida acabou fagocitada pela italiana Isotta Fraschini. Mais tarde, por problemas financeiros nesta empresa, a Alfa Romeo concordou em transferis algumas tecnologias para a Fenemê, que assim viveu um período áureo em que produziu veículos pesados que chegaram a rodar. A nossa indústria automotiva nacional afinal não resistiu quando o governo militar a privatizou em 1968, vendendo-a numa negociação rumorosa à mesma Alfa Romeo (que na época era uma estatal italiana). Na Itália, a Fiat acabou comprando a Alfa Romeo e assim em 1977 a Fiat fechou a Fenemê. Tendo produzido cerca de 15 mil veículos no Brasil, a Fenemê foi substituída por uma inserção menor no segmento de transporte rodoviário de cargas. Uma em que nós ficamos com o reboque, e os desenvolvidos ficam com os motores.

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