*escrito com Luiz Antônio Rodrigues Junior/UNIFESP
1 – Setor de pneumáticos no Brasil
O desafio da indústria brasileira é conquistar mercados mundiais que em geral são muito concentrados. Só assim poderemos atingir a escala necessária para dar os saltos tecnológicos que nos levarão ao progresso. Apenas produzir para o mercado interno não será suficiente. O fato de termos muitas indústrias multinacionais e menos empresas de capital nacional agrava nosso desafio pois estas têm resistência em transferir seus centros pesquisa para o Brasil e usar nosso país como plataforma exportadora. Isso poderia trazer grande volume de empregos de qualidade. Toda indústria brasileira está numa encruzilhada. Temos capacidades e escala que poucos países emergentes têm no mundo, mas somos ainda pequenos nos mercados mundiais quando comparados a países ricos. Muitas de nossas indústrias dependem ainda de tarifas para resistir nesse universo de grande concentração mundial. A propriedade de marcas, patentes, processos produtivos proprietários e grande escala cria poder de monopólio na mão dos gigantes industriais do mundo que competem entre si mas deixam pouco espaço a empresas entrantes de países de renda media como o brasil. No jargão de economistas existem barreiras à entrada nos mercados mundiais que impedem o avanço de nossas empresas nacionais. Trata se de uma competição assimétrica e desigual; para não mencionar o grande custo tributário relativo, elevado custo de capital e pobreza de infraestrutura do país.
Vejamos por exemplo o caso da indústria de pneumáticos nos no Brasil. O setor de pneus e câmaras de ar instalada no Brasil compreende 10 empresas e 20 fábricas, das quais 7 multinacionais. Ao final de 2020, o setor gerava 28,8 mil empregos diretos e aproximadamente 819,3 mil indiretos, com uma rede de mais de 4.500 pontos de venda no Brasil. Apesar de grane produtor mundial de pneus o país tem participação praticamente irrelevante no mercado mundial, menos de 1,5% de participação. Trata-se de um mercado anual de U$80 bilhões, concentrado e dominado por algumas multinacionais como apontado no gráfico abaixo. Em 2020 o país produziu aproximadamente 50 milhões de pneus, dos quais importou 21 milhões e ainda exportou 11 milhões. Somos muito relevantes em termos de produção domestica, mas não temos relevância no mercado mundial. Isso se aplica para a grande maioria das empresas instaladas no Brasil. No momento a indústria de pneus no Brasil se vê em situação que se tornou delicada graças a decisão de reduzir, de forma unilateral, o imposto de importação de pneus de carga (caminhões e ônibus) de 16% para 0%. Tal medida gerou, de uma só vez, uma escalada tarifária negativa haja visto que o imposto de importação das matérias primas do pneu é maior do que do próprio pneu além de imprevisibilidade econômica dada a velocidade de aprovação e ausência de prazo para a medida e, por fim, uma falta de isonomia entre o produto nacional e importado. Todo esse cenário é ainda mais agravado uma vez que ele se instala em um momento de alta nas matérias primas do pneu, tanto pela desvalorização cambial quanto pelo seu preço internacional per se. Com isso, por mais competitiva que a indústria nacional de pneus seja das suas portas para dentro ao produzir os mais de 1.200 tipos de pneus que atendem desde veículos de passeio à máquinas de mineração, uma medida como essa desconsidera fatores econômicos estruturais e suas disparidades regionais ao mesmo passo que reduz o custo do pneu importado no Brasil. Em um mercado disputado tão agressivamente pelas marcas multinacionais instaladas no país, tornar a importação mais atrativa é um convite a corrosão da indústria nacional. O resultado mais provável do corte de tarifas será a interrupção da produção doméstica com transferência para plataformas de produção e exportações em outros países. Essa será apenas uma decisão logica por parte das empresas multinacionais e nos perderemos os empregos e o potencial de subir na escada tecnológica com futuras aprendizagens tecnológicas, por exemplo numa possível habilidade de produzir pneus de aviões, dado que já sabemos produzir todos outros tipos de pneus. Nossas importações vão aumentar muito e geraremos empregos no exterior. Cortes de tarifa num ambiente de comercio internacional concentrado apenas transfere produção para outros países que já tem mais economias de escala.
Nesse cenário quando expostas a concorrência mundial sem alguma proteção tarifária nossas indústrias nacionais sucumbem ao poder de monopólio das gigantes do mundo que apenas escolhem quais países serão suas plataformas exportadoras. Não por incompetência nossa, mas por falta de condições de competir: falta de escala, falta de patentes e tecnologias proprietárias, falta de centros de pesquisa locais. Ao governo brasileiro caberia enxergar isso e turbinar nosso potencial produtivo com redução do custo de capital, melhora de infraestrutura, busca de transferência tecnológica e ganhos de escala na produção brasileira, além do combate a dumping que sofremos. Não enxergar essas assimetrias e apenas cortar tarifas alegando ineficiência produtiva do Brasil é fechar os olhos a realidade do mundo empresarial como de fato é. Ao invés de miopia o governo deveria se esforçar para enxergar mais longe. Poderia por exemplo colocar metas de sofisticação tecnológica e conquista de mercados mundiais para empresas nacionais e multinacionais aqui instaladas em troca de tarifas temporárias. Assim fizeram a Coreia do Sul, Japão e China para se tornarem os gigantes que são hoje. Apenas cortar tarifas é uma política publica simples e que não levara o país ao desenvolvimento econômico.
Figura 1 – pneumáticos no mundo, atlas da complexidade economica
2 – Pneumáticos no comercio mundial
O primeiro passo de nossa abordagem empírica aqui consistiu em estudar a estrutura dos mercados dos produtos do comércio internacional para o período 2005-2017. Nosso banco de dados final e completo após diversas filtragens em relação a dados faltantes resultou em 4898 produtos do sistema HS de 6 dígitos e 236 países (https://www.foreign-trade.com/reference/hscode.htm). As contas para renda per capita foram feitas usando o PIB per capita em paridade do poder de compra constantes de 2017. Na Figura 3, replicamos a metodologia de Felipe (2012). Cada ponto é um produto do comércio mundial com a média ponderada da renda per capita dos países que exportam esse produto durante o período 2007-2017 no eixo X. No eixo Y temos a complexidade média do produto no período. O gráfico mostra que há um claro padrão de produtos associados a renda per capita elevada. Pode ser lido como uma versão da escada tecnológica que países precisam subir em termos de complexidade do sistema produtivo. Hausmann et al (2011) usam técnicas de computação, redes e complexidade para criar um método capaz de medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de países com extraordinária simplicidade. A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país, são capazes de medir de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. A metodologia criada para a construção dos índices de complexidade econômica culminou num Atlas (http://atlas.media.mit.edu) que reúne extenso material sobre uma infinidade de produtos e países desde 1963. Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões, por exemplo) e aqueles que são altamente escassos na natureza, por exemplo, diamantes, e, portanto, tem uma não ubiquidade natural. Para controlar esse problema dos recursos naturais escassos na medição de complexidade, os autores do Atlas usam uma técnica engenhosa: comparam a ubiquidade do produto feito num determinado país com a diversidade de exportação de países que também exportam esse produto.
Por exemplo: Botsuana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo: diamantes brutos. Contudo, têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Temos aqui então casos de não ubiquidade sem complexidade. Por outro lado, poderíamos citar equipamentos médicos de processamento de imagem (raio-X), um produto também pouco ubíquo, produzido por Japão, EUA e Alemanha, por exemplo. Só que nesse caso a pauta exportadora de desses países é extremamente diversificada, indicando que esses países são altamente capazes de fazer várias coisas de forma competitiva. Ou seja, não ubiquidade com diversidade significa “complexidade econômica”. Um país que tenha uma pauta muito diversificada, mas em bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios, etc…) não apresenta grande complexidade econômica; faz o que todos fazem. Dessa forma, diversidade sem não ubiquidade significa falta de complexidade econômica. O mesmo raciocínio se aplica para a aferição da complexidade dos produtos. Aqueles produzidos por poucos países com pautas de exportação diversificadas são considerados produtos complexos. Produtos feitos por muitos países com pautas de exportação não diversificadas são considerados de baixa complexidade.
Figura 2 – Complexidade dos produtos e PIB per capita, média 2007-2017
Fonte: Elaboração própria.
Todos os países do mundo produzem commodities. São produtos que se localizam na base escada tecnológica. A grande maioria dos países do mundo produzem produtos low tech (alguns low tech chegam a PCI=2). São produtos que se localizam em toda a escada tecnológica. Praticamente só países acima com renda acima de U$ 20.000 de renda per capita conseguem fazer produtos médium/high tech: são produtos que se localizam na parte superior da escada tecnológica. Pneumáticos em vermelho
Figura 4 – Complexidade dos produtos pneumaticos e PIB per capita, média 2007-2017
Fonte: Elaboração própria.
3 – Mercados mundiais de pneumáticos são concentrados
Na literatura tradicional de organização industrial entende-se por concentração uma situação em que firmas ocupam uma parcela relevante de um mercado. Aqui usamos essa ideia de forma análoga para participação de países nos mercados mundiais. O mais tradicional índice da literatura CRn mede a parcela dominada pelas n maiores firmas do mercado. Um mercado com CR4 = 90, por exemplo, nos diz que as quatro maiores firmas dominam 90% do mercado. Aqui usamos o mesmo conceito para medir concentração de mercados mundiais em termos de países. Calculamos a concentração de países para cada mercado dos 4898 produtos de nossa base usando uma média de 2007 até 2017: um CR4 médio para o mercado de cada produto nesse período. Outro índice muito utilizado na literatura sobre o tema e’ o HHI (índice de concentração Herfindhal-Hirschman) que indica o tamanho das firmas em um setor ou mercado. É definido como o somatório das parcelas de mercado de cada firma elevado ao quadrado. A ideia e’ dar maior peso as firmas ou países dominantes. Um mercado com apenas uma firma ou pais tem um HHI de 1, enquanto o HHI próximo de 0 indica um grande número de firmas ou países com baixa participação de mercado. O HHI é o índice mais utilizado pelas autoridades antitruste, mas é sujeito a algumas críticas relacionadas à entrada de firmas em mercados. A principal crítica ao HHI diz respeito ao fato de que no caso de um arranjo colusivo detectado, a eventual saída de firmas de um mercado aumentará o HHI, mas não necessariamente diminuirá a concorrência. Em geral mercados com HHI menor do que .01 são considerados mercados competitivos, com baixa concentração, com HHI entre .10 e .18 são considerados com concentração moderada e HHI acima de .18 são considerados concentrados. Nossos resultados mostram que produtos químicos estão em mercados concentrados usam índices HHI.
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