*escrito por Gil Scatena
O novo desenvolvimentismo tem trazido uma série de possibilidades para retomar o debate sobre os caminhos para o desenvolvimento. Nesse contexto, é fundamental analisar o papel do Estado e do Mercado, a relevância da indústria, as políticas fiscal e monetária, além da oportunidade de revisitar teóricos da economia e estudar a história econômica para compreender como os países alcançaram o desenvolvimento ao longo das décadas. Dentre as diversas possibilidades, gostaria de abordar um desafio que tem recebido crescente atenção: a sustentabilidade. Antes disso, é importante resgatar três características dos períodos desenvolvimentistas, que são parte integrante do “novo desenvolvimentismo”, para depois discutir o desafio proposto. Em primeiro lugar, destaca-se a articulação planejada entre o Estado e o Mercado. Em vez de enfatizar apenas o papel do Estado ou do Mercado de forma isolada, reconhece-se que ambos, quando articulados, impulsionam o desenvolvimento de maneira mais efetiva. Essa abordagem supera a dicotomia improdutiva e busca uma cooperação entre esses dois atores. Em segundo lugar, é importante observar que os inovadores do desenvolvimento não são “self made man’s” que surgiram do nada e trouxeram avanços como ferrovias, indústrias e lançamento de satélites. Isso não desmerece suas realizações, mas ao estudar a história com mais atenção, percebemos que essas inovações ocorreram dentro de contextos que envolviam políticas de apoio estatal e arranjos inteligentes entre recursos disponíveis, apoio e proteção a essas inovações emergentes. A terceira característica relevante é a presença de políticas para identificar e apoiar setores ou empresários “campeões”. Essa abordagem beneficiou não apenas os próprios empresários, mas também a sociedade como um todo, por meio da geração de empregos bem remunerados, estímulo à educação e capacitação, aumento do consumo e dos ganhos provenientes do que foi produzido.
Considerando essas informações e a história econômica do desenvolvimento, podemos destacar algumas tarefas essenciais nos últimos anos:
- Retomar essa concepção para recuperar o desenvolvimento;
- Redesenhar políticas para evitar que se tornem meros dutos de recursos públicos para setores ou empresários sem comprometimento com resultados. Como afirmam os novos desenvolvimentistas, o foco não está apenas em ter ou não uma política industrial, mas sim em sua qualidade;
- Escolher setores industriais com maior capacidade de gerar empregos decentes e maiores benefícios sociais, especialmente aqueles que necessitam de apoio público e estatal, em vez de direcionar recursos para setores que já são competitivos internacionalmente, como é o caso do setor pecuarista. Dessa forma, busca-se fortalecer não apenas os empresários, mas toda a sociedade.
No entanto, ao olhar dessa forma, parece que estamos ressuscitando um “neo desenvolvimentismo” anos após sua superação pelo “neoliberalismo do consenso de Washington”. Nesse sentido, teríamos um desenvolvimentismo que permitiria o debate político sobre quais setores devem receber políticas de apoio, considerando a relação entre “mais mercado” e “mais estado” como uma definição saudável e democrática entre as forças de esquerda e direita.
No entanto, em uma era marcada pelo “Antropoceno”, na qual a ciência reconhece que as mudanças climáticas são causadas pelo ser humano e já debate se isso é suficiente para demarcar uma nova era na evolução terrestre, não podemos falar em um “novo desenvolvimentismo” que não reconheça duas premissas urgentes e fundamentais (embora não sejam novas para a agenda pública):
- Deve ser democrático: é crucial ressaltar que algumas experiências desenvolvimentistas foram implementadas por países em períodos autoritários. Militares e civis eleitos estabeleceram desenvolvimentismos de forma autoritária. No entanto, também é verdade que o desenvolvimentismo e as práticas desenvolvimentistas foram adotados por governos democráticos e é assim que deve ser. Parece necessário alcançar um amplo acordo político e social sobre a necessidade dessa agenda, permitindo discuti-la dentro de um contexto democrático, para evitar a imposição do desenvolvimento a qualquer custo. Ser “desenvolvimentista” não pode ser sinônimo de ser “antidemocrático”.
- Deve ser sustentável: o desenvolvimentismo, com todos os seus benefícios, historicamente demonstrou pouca ou nenhuma preocupação com os danos ambientais causados. Nesse estágio do capitalismo mundial, é urgente e necessário que o “desenvolvimento” seja definido com menor impacto ambiental presente e futuro, recuperação de danos ambientais existentes, redução de emissões de gases de efeito estufa, inclusão social radical com garantia de direitos básicos e a pauta da diversidade com o fim das discriminações. O “desenvolvimentismo” não pode mais ser sinônimo de “desenvolvimento a qualquer custo”.
Portanto, se a agenda do novo desenvolvimentismo busca retomar uma parceria estratégica entre Estado e Mercado, com o objetivo de promover uma nova industrialização e gerar benefícios sociais, é igualmente necessário que esse processo seja democrático e sustentável. Caso contrário, o “novo” desenvolvimentismo terá pouca relevância e poderá ser ainda mais prejudicial do que o estágio atual em que nos encontramos, devido ao seu potencial impacto.