Uma crítica à teoria institucional de Douglass North a partir da perspectiva de complexidade econômica 

Dentro de países temos as mesmas instituições e brutais diferenças de produtividade entre regiões e cidades. Como explicar isso se estão todos sob o mesmo manto Institucional? Como explicar a diferença de produtividade de NY e Alabama? Ou de São Paulo e Sergipe? Ou Ainda do Norte e do Sul da Itália? A explicação da estrutura produtiva traz uma resposta que a abordagem institucional não é capaz de dar.

Umas das vertentes mais difundidas nos anos recentes para explicar o desenvolvimento econômico tem sido a nova economia institucional originalmente desenvolvida por Douglass North e mais recentemente ampliada por economistas neoclássicos como Daron Acemoglu por exemplo. A chave para se entender o desenvolvimento econômico dos diversos países e sociedades ao longo do tempo, segundo essa linha de pesquisa, está no estudo da dinâmica institucional dessas economias segundo esses autores. A base da proposta institucionalista de North pode ser encontrada na leitura que faz do caso de sucesso das economias do Ocidente, notadamente da Europa Ocidental e Estados Unidos. Estas, segundo o autor, conseguiram desenvolver instituições capazes de atingir o crescimento econômico de longo prazo.

O processo histórico do surgimento do capitalismo no mundo ocidental seria, portanto, a matéria prima de seu trabalho The Rise of the Western World, A New Economic History de 1973. Em co-autoria com Robert Paul Thomas, North procura mostrar como a Holanda e a Inglaterra foram capazes de superar com sucesso as dificuldades impostas pela transição do feudalismo para o capitalismo. Para os autores, o grande avanço ocorrido nesses dois países, depois replicado pela porção ocidental do continente e mais à frente pela Nova Inglaterra, ocorre antes da chamada Revolução Industrial. As instituições criadas no final da Idade Média pelas cidades holandesas e belgas – Bruges, Ghent, Antuérpia, Delft, culminando com Amsterdã – em parte inspiradas em práticas de cidades italianas – Gênova, Veneza e Florença – e na sequência pelas principais cidades inglesas, Londres e Bristol, teriam sido capazes de levar ambas as regiões a um crescimento econômico nunca antes experimentado. Essas sociedades teriam sido as primeiras capazes de transformar o crescimento populacional em verdadeiro crescimento econômico e não em crises de empobrecimento.

Ao analisar o surgimento dos estados modernos, o autor procura demonstrar o que considera trajetórias institucionais bem sucedidas. Os casos clássicos são Holanda e Inglaterra que foram capazes de desenvolver arranjos institucionais para estimular atividades produtivas. O coração de seu argumento está na relação entre os estados que surgem nessas regiões e as organizações ou grupos produtivos locais. Nos países de sucesso, teria havido um equilíbrio de poder entre as monarquias e produtores que favoreceu a confecção de leis propícias ao desenvolvimento da produção. Na Espanha e França, principalmente na primeira, as leis e a organização institucional não teriam contribuído para o florescimento de atividades economicamente produtivas.
Em geral, observamos nesses países, à época, uma legislação protetora de monopólios – como o caso das Mestas na Espanha – que não estimulava o surgimento de atividades rentáveis para a sociedade como um todo.

O ponto relevante está na relação entre os estados que nasciam e a classe produtiva em geral. Mais especificamente, nas leis e regras que iam sendo geradas pelo sistema político para ordenar a atividade econômica. Para North o desempenho econômico das sociedades resultará sempre, em ultima análise, de suas mudanças institucionais. A chave do problema econômico não está, portanto, no avanço tecnológico ou na acumulação de capital. Está nas regras ou arranjos institucionais que estimulam ou inibam atividades nesse sentido. O que a literatura econômica considera causas do crescimento, nada mais são do que conseqüências de uma dada matriz institucional específica.

O segredo para atingir o crescimento econômico está na construção de uma matriz institucional que estimule a acumulação de capital físico e humano. A grande distância observada ainda hoje entre países pobres e ricos encontra-se muito mais em diferenças entre matrizes institucionais do que em problemas de acesso a tecnologias. Sociedades pobres encontram-se nessa situação justamente por não terem desenvolvido uma base de regras, leis e costumes capazes de estimular atividades economicamente produtivas, especificamente acumulação de capital e de conhecimento. O conceito fundamental para o entendimento da prosperidade e do desenvolvimento econômico na proposta de North é o de instituições eficientes. O autor define um arranjo institucional deste tipo: capaz de igualar o retorno privado ao retorno social das atividades econômicas dos agentes de uma dada sociedade. Uma matriz institucional eficiente será aquela capaz de estimular um agente ou organização a investir numa atividade individual que traga retornos sociais superiores a seus custos sociais. A chave para tal arranjo de sucesso está em estabelecer um sistema de propriedade bem definido e acompanhado de um aparato de monitoramento eficaz. Ao definir e garantir direitos de propriedade adequados, arranjos institucionais eficientes levarão organizações e indivíduos a investir em atividades economicamente produtivas, notadamente na acumulação de capital e conhecimento.

Qual seria então o problema com a Teoria de Douglass North? A lacuna fundamental desse arcabouço de pensamento, que está na base de toda nova economia institucional, é a não separação dos diferentes tipos de atividades econômicas na linha do que se argumentou nesse livro sobre complexidade econômica. É verdade que Veneza, Florença, Ghent, Bruges, Delft e depois Bristol e Londres passaram por notável desenvolvimento institucional na sequência dos séculos 15, 16 e 17. Mas o que desencadeou essa mudança institucional foi o enorme avanço manufatureiro dessas cidades. O advento de atividades com altíssimos retornos crescentes para a época gerou excedentes econômicos enormes que acabaram por demandar novas formas institucionais. É claro que o processo caminhou também no sentido inverso, com as novas instituições contribuindo para o aumento da produção e de geração de excedentes nos setores manufatureiros com altos retornos crescentes. Mas não é possível fazer toda a análise institucionalista na linha do que North faz ignorando os diferentes tipos de atividades promovidas num país, ou  a complexidade produtiva de uma estrutura econômica.

No caso inglês por exemplo o que a análise histórica mostra é que o desenvolvimento manufatureiro antecedeu os avanços institucionais que North tanto elogia. As manufaturas inglesas surgiram e prosperaram graças a uma parafernália de medidas protecionistas nos séculos 15 e 16, voltadas a roubar a produção de tecidos das cidades holandesas num primeiro momento e num segundo momento impedir o avanço das tecelagens na Irlanda e Índia que já tinham uma base produtiva importante. Ou seja, o estado inglês, fortemente protecionista, usou diversas medidas para promover a mudança da estrutura econômica inglesa bem antes da revolução industrial e dos avanços institucionais mencionados por North.

É evidente que estruturas produtivas complexas demandam um arcabouço institucional mais sofisticado. O sistema de produção fragmentado em redes demanda uma estrutura contratual e de confiança bastante intrincado. A produção de manufaturas complexas requer um sistema institucional bem mais complicado por assim dizer do que a produção de commodities ou serviços não sofisticados. Mas não se pode colocar aqui o carro na frente dos bois. A simples garantia de contratos, bom sistema jurídico, garantia de direitos de propriedade, etc, não criarão por si só uma estrutura produtiva complexa. Da perspectiva aqui apresentada, a evolução institucional surge, portanto, muito mais como consequência do que causa do aumento da complexidade econômica.

Referências

Caporaso, J.A., e Levine, D.P., (1992) Theories of Political Economy, Cambridge University Press, Cambridge.

Eggertsson T., (1996) “A note on the economics of institutions“ in Empirical Studies in Institutional Change, Alston L., Eggertsson T., North D., (eds), Cambridge University Press, Cambridge.

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North, D., (1981) Structure and Change in Economic History, Norton, New York.

________ (1990) Institutions, Institutional Change and Economic performance, Cambridge University Press, Cambridge.

________ (1986) “Is it worth making sense of Marx?”, Inquiry 29:57-63, Oslo.

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________(1994) and Denzau, A. T. “Shared Mental Models: Ideologies and Institutions”, Kyklos, Vol.47.

________(1993) “Autobiography”, The Bank of Sweden Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel.

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________(1966) The Economic Growth of the United States 1790-1860, WW Norton & Company, New York (Originalmente publicada em 1961 pela Prentice Hall).

Rutherford M. (1994) Institutions in Economics, the Old and the New institutionalism, Cambridge University Press, Cambridge.

Toyoshima, S. (1999) “Instituições e Desenvolvimento Econômico – Uma Análise Crítica das Idéias de Douglass North“, Ipe-Usp, Estudos Econômicos, vol29, n1.

Velasco e Cruz, S.C. (2001) “Teoria e História: Nota Crítica sobre o Tema da Mudança Institucional em Douglass North“, texto do II Seminário Brasileiro da NEI.

10 thoughts on “Uma crítica à teoria institucional de Douglass North a partir da perspectiva de complexidade econômica ”

  1. ótimo artigo, concordo com a diferenciação que deve ser feita com relação a estrutura produtiva. Mas ainda vejo a co-evolução entre instituições e composição setorial dos economistas evolucionários (NELSON, 1994) como o mecanismo mais próximo da realidade, ainda que seja extremamente difícil aplicar o conceito para análises dinâmicas.

  2. Concordo plenamente que a teoria de North é insuficiente. Mas veja que a explicação “alternativa” que você dá para o desenvolvimento da Inglaterra e Holanda também são em certo sentido “Institucionalistas”, embora não NEI. Afinal, protecionismo tarifário e política industrial são instituições, não são? Ou de outro modo, as causas do desenvolvimento são a inovação tecnológica e a acumulação de capital, OK, mas por que eles ocorrem em certos lugares e não em outro? Instituições, mas não numa visão rational choice/eficiência e sim numa visão economia política/conflito de interesses. Abs.

  3. Excelente artigo, Paulo! Restou uma dúvida: se as medidas protecionistas à indústria manufatureira inglesa nos séculos XV e XVI permitiram o acúmulo de excedentes econômicos extraordinários (e essa política fazia sentido naquela época), que tipo de mecanismo poderia ser empregado nos dias de hoje, haja vista o fracasso da “Nova Matriz Econômica”?

  4. Prezado Paulo Gala. Vim até aqui porque fiz uma pesquisa no Google sobre Douglass North, encontrei o seu texto ‘A Teoria Institucional de Douglass North’, estou lendo e gostando bastante (estou na metade) e quis saber um pouco sobre o autor, ou seja, sobre você. Vi um video seu e acabei de ler o texto acima. Permita-me apresentar a seguite observação crítica sobre ele.

    No penúltimo parágrafo, você escreve: “No caso inglês por exemplo o que a análise histórica mostra é que o desenvolvimento manufatureiro antecedeu os avanços institucionais que North tanto elogia.” E continua logo adiante: “O estado inglês, fortemente protecionista, usou diversas medidas para promover a mudança da estrutura econômica inglesa bem antes da revolução industrial e dos avanços institucionais mencionados por North.”

    Vejo uma contradição acima, partindo do princípio que o Estado inglês é uma instituição e que o Estado é, de fato, a principal instituição de qualquer país. Se o Estado inglês promoveu a mudança da estrutura econômica inglesa bem antes da revolução industrial, este avanço institucional inglês antecedeu e promoveu o seu desenvolvimento manufatureiro.

    Esclareço que o meu interesse em Douglass North veio da leitura do artigo ‘Defining and Measuring Quality of Government’ (http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.454.6821&rep=rep1&type=pdf), que afirma que a principal causa do desenvolvimento é a ‘Qualidade do Governo’ e apresenta esta tese como um desdobramento do institucionalismo, que começou com 3 autores, entre eles Douglass North, tese esta que vem sendo reforçada por sucessivas estatísticas, entre elas do World Bank.

    Aproveito o ensejo para te agradecer pelo seu excelente artigo que pretendo concluir ainda hoje.

    Atenciosamente,
    Marcos Cançado Ribeiro
    Economista

    1. caro, obrigado! e sim, dessa perspectiva vc esta correto! é que em geral os neoinstitucionalistas a la North tem na cabeça outras coisas que não proteção tarifaria, subsídios e coisas do género!

  5. droga, to lendo um calhamado de 500pgs do Acemoglu pra ele concluir isso? vale a pena continuar

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